quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O XADREZ NA UNIÃO SOVIÉTICA

O XADREZ NA UNIÃO SOVIÉTICA
Por Alexandre Garcia

 "O xadrez fornece uma prova incontestável da superioridade da cultura socialista sobre a cultura decadente das sociedades capitalistas". (Alexander Kotov)

"O xadrez é um instrumento de cultura proletária". (Yuri Averbakh)




Este artigo tem a intenção de mostrar a contribuição soviética para o desenvolvimento do esporte mental mais popular no mundo. Todo mundo está ciente da supremacia que atingiu a União Soviética em competições mundiais de xadrez de alto nível, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Se olharmos para as vinte edições do campeonato mundial da FIDE realizados desde 1948 até a última edição antes da dissolução da União Soviética, podemos constatar que o título de campeão do mundo só foi obtido uma vez por um não-soviético, especificamente pelo Americano Bobby Fischer (que junto com Karpov e Kasparov disputa o título de melhor jogador da história) no histórico match contra Boris Spassky em 1972. Todos os outros campeonatos foram ganhos por jogadores de nacionalidade soviética, e ainda hoje, após o colapso do socialismo na Europa Oriental, muitos jogadores nascidos nas ex-repúblicas soviéticas continuam a ocupar um lugar de destaque na elite mundial. O mesmo pode ser dito das Olimpíadas de xadrez organizado pela FIDE desde 1927, quando a União Soviética tem mantido uma supremacia indiscutível ininterrupta desde 1952 (com exceção das Olimpíadas de 1964 em Tel Aviv, onde a União Soviética não participou em boicote e Buenos Aires em 1978 que a Hungria foi a surpresa). Isto é igualmente verdade no que diz respeito ao campeonato mundial feminino, em que as jogadoras soviéticas foram proclamadas vencedoras em todas as edições celebrar entre 1950 e 1991. Algo semelhante acontece com a versão feminina das Olimpíadas, que são realizadas simultaneamente com a masculina desde o ano de 1957, e cujas edições a União Soviética foi ganhadora continuamente, exceto para a edição de Tel Aviv de 1964 e as duas últimas edições antes de sua dissolução em 1988 e 1990, onde o vencedor também foi a Hungria.

Embora hoje o primeiro lugar no ranking da FIDE é ocupado pelo jovem prodígio norueguês Magnus Carlsen, em termos gerais a hegemonia global dos antigos países da União Soviética continua até hoje, coisa que podemos ver com a recente vitória da equipe liderada pelo armênio Levon Aronian em Istambul nas olimpíadas de 2012.

Durante a segunda metade do século XX, esta supremacia no xadrez se traduziu, além dos títulos, nos inúmeros jogadores que deixaram a União Soviética, e a importante contribuição dos soviéticos em termos de teoria e técnica neste esporte mental que, como o expõe o campeão mundial Tigran Petrosian, "é um jogo por sua forma, uma arte por seu conteúdo e uma ciência por sua dificuldade".

A União Soviética foi o único país onde o xadrez alcançou a condição e o status de esporte nacional, o que é um marco em si. Este enorme popularidade de que gozava o jogo entre as nacionalidades da União Soviética, e o importante lugar que ocupava no desenvolvimento intelectual da sociedade, só foi possível com o enorme empenho do Estado soviético, através da sua política de captação e o treinamento de talentos infantis desde a escola, e do cuidado com que tratava os jogadores para que pudessem desenvolver até os níveis profissionais. O próprio Bobby Fischer sempre invejou a respeito, especialmente o apoio financeiro que os jogadores soviéticos recebiam do Estado. Como um indicador do grau de popularidade que teve o xadrez na União Soviética, basta dizer que, na república da Geórgia, onde a escola nacional de xadrez dava especial importância ao xadrez feminino, foi tradição nativa em casamentos a oferta de tabuleiro de Xadrez no enxoval da noiva.



Depois de tomar o poder em outubro de 1917, V. I. Lenin, para quem o xadrez era "a ginástica da mente", e o Partido Bolchevique, em geral, tomaram decididamente medidas para alcançar estes resultados, buscando desta maneira prestigiar a nova República Soviética através do xadrez. Depois de vencer a guerra civil de 1918-1921, a Rússia Soviética permanecia isolada do resto do mundo. Não estava reconhecida pela liga das Nações. De alguma forma, tinha de dar um golpe em cima da mesa, em um esforço para demonstrar que, em um esporte intelectual, os soviéticos poderiam ser os melhores. E os líderes soviéticos conseguiram generosamente.

ANTECEDENTES



É verdade que na velha Rússia czarista já se encontrava um terreno fértil para o que surgiria depois da Revolução de Outubro. Desde o século XVIII, Império Russo se praticava o xadrez com certa dedicação, embora tenha sido restrita a umas poucas elites. Das 70 milhões de pessoas que habitavam o império, apenas um par de mil praticavam o xadrez com regularmente, e apenas algumas centenas freqüentavam clubes e torneios. A escassez de recursos era tal que as pessoas que tinham algum livro sobre xadrez não ultrapassavam as 150. Portanto, a prática do xadrez não era fácil na Rússia czarista, não tendo também muitos torneios para jogar.

No entanto, nos séculos XVIII e XIX surgiram uma vintena de jogadores que jogavam em um nível magistral, como Alexander Petrov, Ilya Shumov, Emmanuel Schiffers, e o mais importante deles Mikhail Ivanovich Chigorin (1850-1908), considerado o pai da chamada ”escola russa de xadrez”. Apesar de nunca ganhar o título de campeão do mundo oficial, Chigorin estava na elite mundial no período entre 1883 e 1898, competindo com jogadores do nível de Wilhelm Steinitz ou Emmanuel Lasker, e até mesmo disputando um match pelo Campeonato Mundial em Havana em 1892 contra o mesmo Steinitz. Sabe-se que o grande escritor realista Leon Tolstoy, ele próprio um amador, era um amante do jogo de Chigorin.

Chigorin era um jogador criativo, algo irregular nas competições, mas que fez grandes contribuições à teoria. Partidário do jogo aberto e da beleza como um meio de obter a vitória, foi um dos poucos que se atreveram a refutar algumas das ideias posicionais Steinitz que estavam começando a predominar na época. Chigorin argumentava que a chave era um rápido desenvolvimento de peças para atacar rapidamente o roque o adversário, ao invés de ir acumulando pequenas vantagens. Respondia as aberturas fechadas defendida por Steinitz com defesas que não estavam na teoria, mas transformavam-se em partidas com posições muito abertas, como que por arte de magia. Dessas inovações nasceu, por exemplo, a defesa Chigorin. Embora esta, precisamente, não alcançou grande popularidade, suas ideias foram um avanço na teoria de aberturas, e serviram de base sobre a qual se desenvolveria mais tarde a escola soviética.

Chigorin teve um destacado trabalho para que o xadrez ganhasse popularidade na Rússia, organizando, por exemplo, os primeiros torneios exclusivos para jogadores russos. Com seus ganhos, impulsionou várias revistas de xadrez, como "O arauto de xadrez" e "folha de Xadrez", que tinham algumas centenas de exemplares e mal eram mantidas financeiramente. Nelas colaboraram assiduamente grandes mestres russos, graças ao tempo livre deixado pela falta de torneios.

No início do século XX, graças a seus esforços e os outros colaboradores, já havia cerca de 500 aficionados praticando de forma organizada o xadrez, dos quais cinqüenta eram capazes de competir com mestres de outros países europeus. Mas o nível de Rússia ainda estava longe de alcançar o da Alemanha ou o do Império Austro-Húngaro, uma situação que iria começar a mudar na época da construção do socialismo. A contribuição de Chigorin ao xadrez soviético seria lembrada mais tarde, em 1958, quando a União Soviética emitiu um selo comemorativo deste jogador.

Chigorin influenciou especialmente o próximo jogador a ser observado: Alexander Alexandrovich Alekhine (também conhecido como Aliojin), campeão mundial quatro vezes em 1927, 1929, 1934 e 1937. Quanto a Alekhine não podemos relacionar diretamente com a era soviética, uma vez que no momento em que ganhou o quarto título mundial  já havia adquirido a nacionalidade francesa, mas sua carreira se sobrepõe com o surgimento da União Soviética. Apesar de ter sido um personagem controverso e politicamente condenável, a escola soviética sempre considerou que havia uma linha evolutiva entre o xadrez dinâmico Chigorin e Alekhine e apreço para o jogo de ataque dos soviéticos, o que se refletiu no jogo de David Bronstein e Mikhail Tal.

Antes da Primeira Guerra Mundial, Alekhine já tinha colhido sucesso regularmente em torneios de xadrez, tendo sido dado o título de Grande Mestre pelo próprio Czar. Proveniente de uma família aristocrática, após a Revolução de Outubro, emigrou para a França e em 1925 adotou a nacionalidade francesa. Grande inovador da teoria de xadrez, seu jogo era de uma grande riqueza de idéias. De acordo com Kasparov foi "provavelmente o primeiro profissional de xadrez." Jogador muito sério e dinâmico, com uma grande capacidade de trabalho e estudo teórico, foi excelente em muitas facetas do jogo. Virtuoso do xadrez de ataque, foi neste aspecto do jogo, um dos melhores jogadores táticos da história, algo que combinava com técnica requintada e um sentido estratégico profundo. Como um expoente da chamada escola hipermoderna de xadrez, seu jogo transbordava em fantasia. Sua contribuição foi extremamente enriquecedora, especialmente no que diz respeito à técnica de finais, que dominava de tal forma que graças a ela pode vencer José Raúl Capablanca no campeonato mundial de 1927.

Outubro 1917: começa a decolagem


Como já mencionado, no momento em que Alekhine aprendeu a jogar xadrez no início do século XX, o jogo foi destinado para uma elite. Esta situação começou a mudar radicalmente a partir da Revolução de Outubro. Por Indicações de V. I. Lênin, os bolcheviques orientaram o xadrez para a maioria da população, promovendo-o no ensino primário, onde xadrez tornou-se um assunto complementar. Os líderes bolcheviques viram na prática do xadrez um meio para conduzir as ideias, ao comportamento e a disciplina comunista, já que os valores deste esporte mental (paciência, disciplina, capacidade intelectual e espírito coletivo, porque não podemos esquecer que o xadrez é um jogo de equipe, em que cada peça deve ser coordenação com as outras) se ajustava bem ao sistema de valores que propunha a nova sociedade proletária. O xadrez foi tomado como um projeto de prestígio, em que todos deviam trabalhar juntos para realizá-lo. Além disso, era uma forma de demonstrar com o tabuleiro a validade do materialismo dialética como concepção de mundo, aspecto do xadrez que por razões de espaço não podemos abordar neste artigo. Mas as palavras de Nikolai Krylenko, Comissário do Povo para Assuntos Militares, para quem xadrez que era "uma expressão das formas marxistas de pensamento" são ilustrativos a este respeito.

Além disso, as condições econômicas da nova Rússia Soviética empurrando-o para ele. Nós todos sabemos que o contexto que ocorreu na época: depois de três anos de guerra com a Alemanha, durante e depois do comunismo de guerra, a pobreza e a devastação da economia eram terríveis. Os líderes bolcheviques viram no xadrez um meio barato de prestígio da União Soviética em um esporte. O xadrez não exigia um grande investimento. Para promover o xadrez, não se exige quase nada, não há necessidade de pistas de atletismo, ginásios nem estádios de futebol, apenas um tabuleiro de madeira e umas peças.

Anatoli Karpov descreve aquela época com estas palavras: "[o xadrez] fazia parte da vida da alta sociedade russa e também jogavam alguns dos grandes escritores e cientistas na era imperial. Depois da Revolução, o novo governo percebeu que a Rússia era um país com baixo nível educacional, porque após a revolução muitos intelectuais deixaram o país. Isso significava que tinha que construir algo novo, por assim dizer, uma nova intelectualidade ou uma população bem formada. Eles achavam que uma das maneiras mais simples e inteligente de fazê-lo era através de xadrez... O novo governo decidiu usar xadrez para educar as pessoas e conseguiu."

A grande tarefa de divulgar o xadrez caiu sobre Alexander Iliin-Zhenevski, comissário do Conselho Geral da Organização reservistas de Moscou, grande entusiasta do jogo, introduziu o xadrez no Exército Vermelho. Iliin-Zhenevski estava convencido de que o xadrez pode desempenhar um papel importante no plano político e deve ser subordinada à luta ideológica.

Os primeiros progressos demoraram pouco em surgir. Antes da guerra civil, os próprios sindicatos já organizavam um pequeno torneio na República Soviética da Transcaucásia. Depois, em plena guerra civil, Iliin-Genevski organizou a primeira Olimpíada de Xadrez da RSFS da Rússia em outubro de 1920. Esse evento marcou a ressalva inicial para muitos outros em Moscou e Leningrado, como o torneio internacional de Moscou em 1925 que Iliin-Genevski se tornou o primeiro Soviético a derrotar o campeão mundial, Capablanca.

Em 1924 foi criado o departamento de xadrez do Conselho Supremo de Cultura Física. O comandante Nikolai Krylenko, no comando de tudo, o slogan: "Levar xadrez para os trabalhadores!". Departamentos semelhantes foram fundados nos conselhos de Cultura Física locais. "Temos de acabar de uma vez por todas com a neutralidade de xadrez, devemos organizar brigadas de choque de jogadores de xadrez e imediatamente começar a cumprir o plano qüinqüenal de xadrez". Foi colocada em marcha a chamada escola soviética de xadrez, caracterizada por sua ânsia de descobrir jovens talentos desde cedo, com um sistema de formação ao mais alto nível. Conseguiu-se um grande progresso em técnicas de ensino: surgiram treinadores de xadrez de alta especialidade como Romanovsky, Levenfish e Rabinovich, que, aconselhado por especialistas em psicologia e pedagogia como Vygotsky, Luria e Leontiev, idealizaram um sistema de ensino de máximo desempenho. Assim, o xadrez chegou a ter um lugar reservado nos palácios de pioneiros, entidades culturais centralizadores atividades juvenis, em que sempre havia sempre uma seção de xadrez constituído por crianças entre 6 e 17 anos.

O número de aficionados disparou durante os anos 20 e 30. De uns 1000 jogadores registrados em 1923, aumentou para 150 000 em 1929. Os sindicatos e os clubes dos trabalhadores eram a alma deste movimento de paixão pelo jogo. No final dos anos 1920, cada sindicato tinha uma equipe com 28 jogadores registrados. Para se ter uma idéia do lugar que ocupava o xadrez entre grande parte do proletariado soviético, basta dizer que a indústria automobilística Likachov de Moscou contava com 26 diferentes clubes desportivos, xadrez sendo o maior deles.

O resultado de décadas de dedicação ao esporte mental era que, em meados dos anos 1980, um total de 4,2 milhões de pessoas estavam inscritas na Federação Soviética de Xadrez, das quais  mais de uma centena dessas pessoas tinha o título de Grande Mestre. A cada ano, centenas de milhares de crianças que participam do torneio 'Torre Branca'. No total, estima-se que 12 milhões de pessoas jogam xadrez regularmente.

Botvinnik: sistema de preparação precursor Soviético

  
Foi depois de Alekhine, após a Segunda Guerra Mundial, quando os anos de trabalho para promover o xadrez pelo Estado soviético começou a mostrar claramente seus frutos.

Geralmente, quando falamos sobre a Escola de Xadrez Soviética costumam pensar em jogadores de ataque com um estilo de jogo dinâmico, rápido e agressivo. No entanto, uma das exceções foi o primeiro pioneiro da nova escola: o engenheiro Mikhail Moiseyevich Botvinnik (1911-1995), patriarca do xadrez soviético, ao qual seguiram todos os outros grandes jogadores. De acordo com Gary Kasparov, com Botvinnik se produziu no xadrez “salto verdadeiramente revolucionário". Seis vezes campeão da União Soviética e cinco vezes campeão mundial em 1948, 1951, 1954, 1958 e 1961. É verdade que temos de reconhecer que Botvinnik foi ajudado pela eclosão da II Guerra Mundial, que abriu o caminho até o cume. No ano de 1948, quando ocorre o primeiro torneio do campeonato mundial após o fim da guerra, tinha apenas Botvinnik entre os jogadores de alto nível.


Botvinnik foi o grande expoente do sistema de preparação soviético, aspecto do jogo que em si é uma das contribuições da União Soviética ao jogo. Este cuidadoso sistema de preparação só foi possível principalmente pelo apoio que os jogadores receberam do Estado. Poucos jogadores no Ocidente poderiam dedicar tanto tempo ao treinamento e preparação. Os jogadores soviéticos receberam o apoio financeiro e material necessário, e eles podiam se colocar cientes da prática e das inovações teóricas em todo o mundo, facilitada pela grande quantidade de livros, revistas, boletins informativos, etc., que se publicavam permanente na União Soviética. Em seu livro “A Escola Soviética de Xadrez”, Botvinnik explica: "Deve dar-se crédito aos mestres soviéticos por desenvolverem métodos de preparação. O nosso está disponível para todos e podemos supor que a maioria dos mestres soviéticos usa ​​quando se preparava para uma grande competição. A parte mais importante do sistema consiste na preparação de aberturas, o treinamento físico, prática para corrigir defeitos; também questões relacionadas com a rotina de torneios".

Os manuais de preparação da União Soviética davam ênfase especial a importância de ter uma boa condição física. E aconselhava os jogadores que participavam dos programas de treinamento físico GTO (“Preparação para o Trabalho e a Defesa da URSS"). Os treinadores tomam este aspecto do jogo tão a sério que os preparativos para os torneios chegam a ser feitas em balneários. Em 1953, em preparação para o torneio de candidatos para o título Mundial de Zurique, a equipe Soviética (composto por Smyslov, Keres, Bronstein, Petrosian, Geller, Kotov, Taimanov, Averbakh e Boleslavski) passou duas semanas a dedicar-se somente a preparação física com treinadores de atletismo, natação e com nutricionistas. Somente a partir da terceira semana eles começaram a tocar num tabuleiro. De fato, alguns grandes mestres soviéticos se destacaram em outros esportes. Pode-se mencionar Keres, campeão de tênis várias vezes na Estônia, Geller, notável jogador de basquete, e Spassky, que fazia os 100 metros em 11 segundos.

A próxima característica a destacar do sistema de preparação foi o estudo detalhado das aberturas. Botvinnik conta que, quando ele se preparava para jogar o match com a Checoslováquia Salomon Flohr em 1933, analisou mais de 100 partidas de seu adversário antes de decidir que abertura tinha que jogar. Quase 30 anos depois, Botvinnik atribuiu sua vitória no match revanche com Tal a precária preparação dele em aberturas. Só o estudo das partidas já consumia do enxadrista soviético centenas de horas, meses de estudo. Isso lhe permitia tirar conclusões sobre as qualidades e defeitos dos adversários. Também jogavam partidas de treinamento, nas quais eram submetidos a testes de novas variantes e podiam corrigir os defeitos do jogador, levando as partidas a posições no tabuleiro que não eram do seu agrado.

A dedicação de Botvinnik ao treinamento era tal, que ele, que detestava a fumaça de cigarro, se acostumou a jogar partidas de treinamento com Ragozin, pedindo-lhe para fumar constantemente.


Quanto ao estudo teórico, os soviéticos davam muita importância ao estudo das três fases do jogo (abertura, meio jogo e final), de acordo com o modo marxista de pensamento que não vê as fases de jogo tão isoladas umas das outras. Seguindo o conselho de Capablanca, que dizia "o xadrez se aprende começando pelos finais", com muita razão, pois o objetivo do jogo é dar xeque-mate, nas escolas se enfatizava os finais com as crianças para manejar os vários tipos de finais de jogo, para aprender a autonomia das peças e sua técnica (coisa que levou ao termo jornalístico "a técnica soviética se impõe nos finais"), e saber sobre quando um bispo é superior a um cavalo, etc. E, quando a abertura tinha ligação com o meio jogo, ou até mesmo um possível final de partida, em que cada lado tem uma desvantagem estrutural. Na verdade, a importância é dada hoje para o fato de que após os primeiros movimentos um dos lados fica com dois peões isolados e o outro com três ilhas, deixando-o em inferioridade estrutural, é uma contribuição única dos soviéticos. Ao estudar este aspecto do jogo, eles queriam saber quais variantes de abertura permitiam obter uma vantagem ganhadora.


Antes da escola soviética, havia uma tendência para analisar superficialmente as variantes de uma abertura, e apenas dizer que este ou aquele lado tinha a vantagem. Os soviéticos queriam ir mais longe, e experimentavam com as aberturas até levá-las para o meio jogo, para averiguar como essa vantagem estratégica pode se transformar em vitória. Este grande avanço no estudo do desenvolvimento do meio jogo foi comprovado em um match entre os Estados Unidos e a União Soviética em 1945 na partida entre Reschevsky e Smyslov, que após o movimento 20 Smyslov tinha apenas usado 6 minutos, enquanto que Reschevsky, que era um gênio, já se encontrava apurado pelo tempo.

A importância que chegou a ter o xadrez soviético no nível da teoria era de tal forma que o próprio Fischer aprendeu russo para ler tratados de teoria da União Soviética, e graças ao qual o norte americano refinou muitos aspectos do seu jogo.

Finalmente, os especialistas soviéticos acreditavam que outro requisito para atingir o nível enxadrístico mais alto era para ter um bom conhecimento de cultura geral e interesses intelectuais variadas. Pode-se lembrar sobre capacidade de lingüística de Alekhine, os trabalhos de Botvinnik no campo da engenharia elétrica, o talento musical de Taimanov e Smyslov, ou o fato de que Karpov permanece atualmente como professor de Economia na Universidade Estadual de Moscou. Isto está em contraste com o limitado horizonte intelectual de muitos jogadores do Ocidente, como Fischer, que abandonou a escola para dedicar-se ao xadrez.

Anos 1950: Início da supremacia soviética


Nos anos 1930 o contato com o ocidente tinha sido restaurado, com a organização nas décadas de 20 e 30 de torneios internacional de Moscou, onde foram convidados Lasker e Capablanca. No entanto, os mestres soviéticos eram desconhecidos no Ocidente. A FIDE era vista com desconfiança pelos soviéticos, considerada uma organização pró-capitalista, e a União Soviética mantinha seus jogadores longe dela. Até o aparecimento de Botvinnik, aquém se deu permissão para jogar torneios da FIDE, com condições de ganhar. Assim, nos anos 1930 Botvinnik já se encontrava na elite mundial, o que ele mostrou ao vencer o torneio em Moscou 1935, à frente de Lasker e Capablanca, com suas vitórias contra Alekhine no torneio AVRO na Holanda 1938, onde terminou em terceiro. Ele era o líder de uma nova geração. Sua popularidade foi imensa. As pessoas ainda analfabetos, durante os anos 1930, conhecia em cada canto da União Soviética quem era Mikhail Botvinnik.

Botvinnik foi membro da equipe nacional que venceu todas as olimpíadas de xadrez de 1952 a 1964. É precisamente nos Jogos Olímpicos de Helsinque de 1952, quando ele começou a ver que o país começaria a ter a hegemonia mundial. Foi a primeira vez que a União Soviética participou como uma equipe nacional, juntamente com a incorporação da Estônia na pátria soviética, com o que a equipe nacional ganhou também a incorporação do jogador de ataque Paul Keres. Nesse torneio foi observado o que todo mundo já sabia: em 1948, dos cinco candidatos título mundial individual (que em teoria deveria ter ainda seis, mas o Reuben Fine americano renunciou ao seu assento), foram Euwe e Reshevsky como jogadores não Soviéticos, e os outros três foram Botvinnik, Keres e Smyslov. Era normal para suspeitar que, em termos de alta competição de xadrez na União Soviética algo estava prestes a explodir.

Então, quando entrou plenamente em sua primeira competição da equipe em 1952, a União Soviética esmagou as outras equipes, incluindo os Estados Unidos, que havia vencido as quatro edições anteriores. A diferença com outras nações já era abismal. Desejos de Lênin tinha se tornado realidade. Essa hegemonia da União Soviética nas Olimpíadas seria interrompida brevemente com a vitória da República Popular da Hungria na edição de 1978 de Buenos Aires, onde os húngaros empataram em 2 a 2 com os soviéticos, que não foram capazes de superar uma derrota contra a Alemanha Ocidental, enquanto os húngaros não falharam.

Cabe destacar, para constatar o nível que tinha atingido os soviéticos, era mais difícil ganhar o campeonato da União Soviética que o próprio título mundial. Isso aconteceu porque para se qualificar para o campeonato do mundo jogar-se um torneio zonal, em seguida, outro interzonal de 8 jogadores classificados para disputar o torneio de candidatos ao título mundial, e que não poderia ser classificada mais de 3 jogadores da mesma nacionalidade. Mas naqueles anos jogando o campeonato nacional da União Soviética significou enfrentando Keres, Smyslov, Geller, Petrosian, Bronstein, Taimanov, Averbakh, Kotov, Tal, Tolush, Boleslavski, e assim por diante. Na décima nona edição do campeonato em 1951, Keres ficou com título de campeão nacional, ao passo que Botvinnik, que era o atual campeão mundial, foi o quinto na competição! Outro ponto para ilustrar que o campeonato era extremamente competitivo é que o próprio Gary Kasparov nunca foi capaz de vencer sozinho: em suas quatro participações, foi o nono em 1978, segundo em 1979 e empatou em primeiro lugar com Psajis em 1981 e com Karpov em 1988.


Botvinnik, considerado na época como o melhor jogador da história, era, portanto, o paradigma do jogador Soviético: jogador muito teórico e muito estudioso, que se preparava com empenho para as partidas, com um estilo muito profissional. Com ele, o xadrez tornou-se uma verdadeira ciência, e demonstrou que uma boa preparação é a chave para o sucesso duradouro.

Em termos de estilo, era um jogador posicional. A chave para seu sucesso estava em seus estudos rigorosos das aberturas, bem acima de qualquer outro jogador na época, em uma técnica de cálculo profundo e aguda técnica de finais. Francamente, eu devo dizer que seu estilo de jogo não foi muito emocionante, suas abordagens foram muito lógicas, mas se aprofundou como ninguém nas posições, por isso era muito difícil de vencê-lo, devido ao seu jogo sólido. Sabia como explorar a menor vantagem de lhe concedia o adversário, o estilo de jogo mais tarde imitado por jogadores como Karpov e Petrosian. De 1960 se dedicaria ao desenvolvimento de programas de xadrez de computador e formação de jovens jogadores de xadrez. Gary Kasparov e Anatoly Karpov estariam entre seus alunos.

Para os curiosos, note que uma variação da abertura Inglesa leva o seu nome, que surge através dos movimentos 1.c4 e5, 2.Cc3 Cc6, 3.g3 g6, 4.Bg2 Bg7, 5.e4

Lenda de Campeões

Vamos continuar este artigo com um breve resumo da vida de outros grandes jogadores soviéticos que surgiram após Botvinnik. Não podemos, por razões de espaço, mencionar todos os grandes jogadores, por isso, limitar-nos a aqueles que conquistaram o título de campeão mundial. Assim, queremos deixar claro que nós deixamos na prateleira grandes jogadores do calibre de Paul Keres, David Bronstein ou Efim Geller, alguns dos quais são considerados "campeões sem título”, jogadores que por dimensão eram merecedores de ganhar o título mundial, mas por uma série de circunstâncias eles ficaram muito próximos do título.

Vasili Vasilievich Smyslov

  
Vasili Vasilievich Smyslov (1921-2010) foi campeão mundial em 1957, em sua segunda tentativa, depois de perder contra Botvinnik em 1954, foi campeão da União Soviética em 1949, empatou em primeiro lugar com Bronstein. Aos 6 anos começou a jogar xadrez, passando a ganhar em 1938 o campeonato juvenil na União Soviética. Além de xadrez, era um barítono destacado. Vassili veio dizer que a sua vida era "metade xadrez, metade cantar". Às vezes em torneios, ele oferecia recitais, sendo acompanhado em ocasiões pelo pianista e grande jogador Mark Taimanov. Entre 1952 e 1972, Smyslov ganhou 17 medalhas em nove olimpíadas para a União Soviética, fazendo dele o jogador mais bem sucedido na história das Olimpíadas.


A pouca sorte é que Smyslov coincidiu com Botvinnik, em um momento em que as regras que regiam o campeonato mundial prejudicavam-o claramente. Estas regras estipuladas que, em caso de empate o campeão mantinha o título. Botvinnik pode assim defender seu título empatando com Bronstein em 1951 e com Smyslov em 1954. Em 1957, Smyslov conquistou o título mundial, mas na época havia a famosa regra "match revanche”, o que lhe permitiu o campeão do mundo disputar outro match. Graças a esta outra regra, Botvinnik recuperou o título em 1958 ao derrotar Smyslov para 7 a 5. Esta mesma regra, Botvinnik faria com Tal a revanche em 1961. Após esta derrota, Smyslov disse: "Eu acho que levei a vida toda enfrentando Botvinnik". Destes três campeonatos mundiais entre os dois, Botvinnik foi vitorioso em dois deles, mas se vemos os pontos de cada um, observa-se que Smyslov ganhou uma partida a mais no total.

Artista tanto fora como dentro do tabuleiro, para Smyslov "a maestria no xadrez significa um lado criador e outro científico". Tecnicamente jogador muito bom, especialmente nos finais, onde ele era um excepcional jogador. Caracterizava-se por um jogo muito simples, lógico e natural. A clareza de sua mente levou-o a simplificar posições, trocando peças para chegar a posições de finais, onde era como um peixe na água, sendo a este respeito um sério adversário para Botvinnik. Sua contribuição para a teoria de abertura é imenso, tendo desenvolvido novos sistemas em várias aberturas, ou revivendo outra variante de sucesso, como a variante do fianqueto na abertura Ruy Lopez, que surge com movimentos 1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 g6. Há também diferentes variações de abertura com o seu nome, especificamente na Defesa Grunfeld, na Defesa eslava e na Ruy Lopez cerrada (1.e4 e5, 2.Cf3 Cc6, 3.Bb5 a6, 4.Ba4 Cf6, 5.0-0 Be7, 6.Te1 b5, 7.Ab3 d6, 8.c3 0-0, 9.h3 h6).

Admirado por seu “senso de posição”, o seu jogo destacado pela grande harmonia com a qual colocava as peças, demonstrando que o xadrez é um jogo de beleza e que muitas vezes ganha com a máxima simplicidade. Ele costumava brincar que ele jogou "mãos" em vez de com o cérebro, como se não precisava movê-las para esta ou aquela casa, por causa da naturalidade com que movia as peças.


Em 1984, ele quebrou todos os recordes de longevidade ao enfrentar Kasparov na final de candidatos ao título mundial com a idade de 63 anos. Faleceu em 2010 em um hospital de Moscou por causa de complicações cardiorrespiratórias.

Mikhail Nezhemiévich Tal

Mikhail Nezhemiévich Tal (1936-1992) nasceu em Riga, em uma família judia com somente dois dedos na mão direita (o que não o impediu de tocar piano excelentemente). Ele é um dos jogadores mais queridos na comunidade enxadrística. Todo mundo gosta de Mikhail Tal, porque era magia. Seu estilo, uma imaginação vívida, era inigualável até hoje. Kasparov não tem medo de dizer que é o jogador mais talentoso que existiu. O que está claro é que ele foi o melhor jogador de ataque de todos os tempos. Desde a infância sua ascensão foi meteórica. Em 1957, com a idade de 21 anos, já conseguiu ganhar o campeonato da União Soviética, além de obter o prêmio de beleza por um empate contra Aronin, considerado por Euwe como "o empate mais brilhante da história". O campeão mundial em 1961, diante de Botvinnik (contra quem perdeu o match revanche no ano seguinte) com a idade de 23 anos, então o mais jovem campeão mundial da história, e 6 vezes campeão da União Soviética, empatado com Botvinnik . Seus problemas de saúde e a vodka impediram seu talento para desenvolver níveis mais elevados. Um jogador deste tipo já seria algo raro hoje em dia, por isso é difícil imaginar o impacto que teve na década de 50 do século passado. Seu estilo, revolucionário e romântico, cheio de energia, foi uma torrente que varreu os conceitos estagnados de xadrez posicional de Botvinnik. Depois de um jogador tão sério e rígido, era natural que alguém apareceria para trazer um sopro de ar fresco.

Jogador de ataque muito agressivo, com partidas cheias de golpes táticos, iniciando ataques violentos, gostava de buscar a máxima complicação no tabuleiro, que atordoava seus oponentes. Tal incendiava o tabuleiro desde a primeira busca de ataque, tornando-se um campo minado onde o mínimo de interrupção pode explodir tudo. Assim descreveu-o o próprio Botvinnik: "... Fiquei surpreso que, em vez de jogar posicionalmente, como me foi ensinado na minha juventude, o meu adversário pudesse fazer jogadas de aparência ilógicas. Sua lógica tinha, na realidade, um valor prático rigoroso: colocar para o adversário os maiores problemas possíveis. E quando ele estava errado, Tal sábio encontrar soluções elegantes e inesperadas".

Tal gostava de agradar o público com jogadas ariscadas, deixando o final em segundo plano. De repente, em uma partida, Tal entregava uma peça, ou mesmo várias, sem motivo aparente. Nesses sacrifícios, havia um monte de psicologia. Na verdade, eles eram muitas vezes incorretos, coisa que posteriormente se mostrava em suas partidas, mas isso é precisamente o que o torna um grande jogador! Seus adversários estavam tão nervosos e ficavam tão embaraçados, que eram incapazes de encontrar o caminho certo a seguir. E uma coisa é para refutar um jogo de Tal calmamente em uma sala, vários meses depois, usando um programa de computador, e outra coisa é estar lá na frente de Tal, em um torneio, com o relógio contando os minutos, tentando procurar a melhor resposta no menor tempo possível. Então, ele explicava: "xadrez de torneio e matemática são duas coisas distintas".

  
Tal costumava brincar com seu estilo peculiar ditado: "Existem apenas dois tipos de sacrifícios, que são corretos e os meus". Uma vez, lhe perguntaram como podia pendurar tantas peças, ao que ele respondeu: "só me podem comer uma de cada vez".

Sua obsessão pelo ataque a todo custo, independentemente de peças deixadas pelo caminho, chegou a tal ponto que em um jogo com o dinamarquês Bent Larsen em 1969, pode realizar um sacrifício de peão duvidoso que lhe custou o jogo. Mais tarde, analisando o jogo com Geller, este lhe disse: "E agora, Misha, por que você não toma em e6? Obtém um peão na troca e a posição não é completamente desesperada". Ao que Tal respondeu: "Eu só olhava o rei preto! Não tinha pensado por um momento nessa possibilidade!".

Nos últimos anos de sua carreira, Tal trabalhou como comentarista de rádio e televisão, onde ele estava comentando os jogos do match entre Karpov e Kasparov de 1984. Em 1988, ele ganhou o primeiro Campeonato Mundial de blitz, em que Karpov e Kasparov também participaram.


Excelente pessoa, o seu humor marcou a sua personalidade para a eternidade: nas Olimpíadas de Leipzig em 1960, foi abordado por Fischer e ao estilo cigano leu sua mão dizendo o futuro: "Eu vejo que você é um bom jogador, campeão mundo, mas também vejo que perderá o título para um jovem Grande Mestre dos Estados Unidos" (referindo-se a si mesmo). Então Tal se aproximou de Lombardy, que ganhou recentemente o título de Grão-Mestre, e pegou sua mão: "Parabéns, William. Você vai ser o próximo campeão do mundo".

Tal foi o protagonista de muitas curiosidades e anedotas durante sua carreira. Certa vez, em um torneio no ano de 1947, Tal disputou uma partida em que estava perdido e que pensava em abandonar. Mas, na jogada 40 o jogo foi adiado para o dia seguinte. Naquela noite ele sonhou que se livrava da derrota, no dia seguinte ele decidiu aplicar o sonho e conseguiu salvar a partida. 


Em 1969, os médicos removeram um rim. Naqueles dias ocorreu rumores de que ele tinha sido incapaz de superar a operação e morreu. Mesmo na Jugoslávia (o país onde ele era muito conhecido) seu obituário apareceu na imprensa. Um mês após a operação Tal voltou à competir em torneio de Tbilisi e ganhou o primeiro prêmio, fazendo uma grande partida contra Suetin, que fez um sacrifício maravilhoso. Depois de vencer o jogo, comentou: "Não está nada ruim para um homem morto."

Ele morreu em um hospital de Moscou em 1992, com a idade de 55 anos.

Tigran Vartanovich Petrosian

Tigran Vartanovich Petrosian (1929-1984) nasceu em Tbilisi, na Geórgia, apesar de ter sido etnicamente armênio. Embora seu pai fosse analfabeto, na escola era um excelente aluno, como seus irmãos. Ficou órfão durante a II Grande Guerra, foi forçado durante a mesma a varrer as ruas para sobreviver. Nessa época teve início a uma surdez em um dos ouvidos. Durante a guerra, com sua ração comprou a obra “A pratica do meu sistema” de Nimzowitch, que acabaria por ter uma forte influência sobre o seu jogo.


O campeão mundial em 1963 e 1969 e campeão da União Soviética quatro vezes. Possivelmente, o melhor jogador de conceitos defensivos da história. Depois de Tal, precisava de alguém mais frio para completar o quadro evolutivo de xadrez, que estabelece as bases para a formação de futuros campeões, que seria mais universal do que todos os jogadores anteriores.

Como um estudante de teorias Nimzowitch teve uma compreensão do jogo posicional como poucos (talvez Karpov seja o único, então que faria sombra a este respeito). Ele provou que esperar um ataque do adversário também pode ser uma boa tática. Em vez de lançar-se ao ataque conseguia pequenas vantagens que aproveitava com precisão matemática, o que lhe valeu o apelido de "jibóia". Petrosian obsessivamente queria enfrentar o plano do adversário, antecipando seus movimentos, o que não é fácil. Nesse sentido, ele era famoso por sua compreensão da profilaxia. Se defendia tão bem que neutralizava as ameaças do adversário antes que ele percebesse. M. Tal chegou a dizer, com seu humor típico: "Petrosian vê chegar o perigo vários dias antes". Fischer dizia dele: "Ele tem um senso tático incrível, e um sentido excepcional de perigo... Não importa o quão profundo você calcule... Ele sentirá o perigo 20 movimentos antes que você".


No entanto, ganhou muito poucos torneios, porque fazia muitos empates e porque, ao contrário dos matchs individuais, nos torneios tinha pouca chance de ganhar contra jogadores agressivos, coisa que combinava com o caráter conformista que modelava seu estilo de jogo. No entanto, foi um jogador muito difícil de bater: ele não perdeu um único jogo em todas as suas participações nas Olimpíadas (79 vitórias e 50 empates).

Petrosian era um especialista na luta contra a Defesa Índia do Rei, contra o qual desenvolveu a variante chamada Petrosian (1.d4 Cf6, 2.c4 g6, 3.Cc3 Bg7, 4.e4 d6 5.Cf3 0-0, 6.Be2 e5, 7.d5). Há outras aberturas onde desenvolveu variantes que agora levam seu nome, notavelmente em na Defesa Índia da Dama (1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cf3 b6 4.a3), na Defesa Grunfeld (1.d4 Cf6, 2.c4 g6, 3.Cc3 d5, 4.Cf3 Bg7, 5.Bg5) e na Defesa francesa (1.e4 e6, 2.d4 d5, 3.Cc3 Bb4, 4.e5 Dd7). Ele também é creditado a ele, juntamente com Smyslov, uma variante da Defesa Caro-Kann, conhecido como Petrosian-Smyslov (1.e4 c6, 2.d4 d5, 3.Cc3 dxe4, 4.Cxe4 Cd7).

Os Problemas de audição de Petrosian o levaram por vezes a situações estranhas. Em um jogo, ofereceu empate a Gligoric, este rejeitou e depois mudado de opinião em instantes. Mas ao fazê-lo Petrosian não ouviu e no final ganhou a partida.


Faleceu em Moscou em 1984 devido a um câncer de estômago. Em 07 de julho de 2006 foi inaugurado um monumento em sua honra no distrito Davtashen do capital da Armênia, Yerevan.

Boris Vasilievich Spassky

Boris Vasilievich Spassky nasceu em 1937 em Leningrado. Campeão mundial em 1969 e campeão da URSS duas vezes, em 1961 e 1973. Este jogador tem a infelicidade de ser conhecido por ter perdido para Bobby Fischer no campeonato mundial de 1972, fato que foi recebido na União Soviética como uma tragédia nacional. Sua infância também foi traumática: em 1943, com a idade de 8 anos, teve de fugir de Leningrado durante a II Grande Guerra.


Um jogador de estilo belíssimo e universal, possivelmente o mais completo que tenha existido. Depois de regressar a Leningrado, ingressou no Palácio dos Pioneiros da cidade, desenvolvendo um estilo de jogo frio e posicional sem riscos. Isso restringia sua criatividade e decidiu mudar de treinador, passando a ser treinado Alexander Tolush, que lhe ensinou outra forma de entender xadrez, transformando-se assim em um jogador mais ousado e agressivo. Em 1965, passaria a ser treinado por Igor Bondarevsky, graças ao qual o seu estilo voltou ao posicional e melhorou seu repertório de aberturas consideravelmente. Mesmo como em ocasiões brilhava com alguma partida espetacular.


A verdade é que se esperava muito mais dele do que deu durante sua brilhante carreira. Pensava-se que seria campeão mundial antes dos 25 anos, mas a derrota para Tal no torneio interzonal em Portoroz em 1958 lhe afetou profundamente. Em 1964 logrou vencer o torneio de candidatos para o título mundial, batendo Keres, Geller e Tal, mas perdeu para Petrosian no match pelo título mundial. Título que ganharia em 1969 ao enfrentar novamente o jogador armênio.

Em 1972 Spassky tem de defender em Reykjavik o título ante a jovem estrela em ascensão mundial, Bobby Fischer, que tinha passado um rolo compressor ao derrotar Taimanov, Larsen, e Petrosian. Em plena guerra fria, mundo inteiro respirava a celebração deste confronto que ficou conhecido como o "jogo do século". Porém o match começa mal: quando Spassky tinha chegado, Fischer não se encontra em Reykjavik, reclamar do prêmio pelo título mundial, diz que é insuficiente.


O Departamento de Estado dos EUA interveio para convencer Fischer a jogar o match. Depois de perder a primeira partida (por um erro básico de capturar um peão com o bispo na cassa "h2"), Fischer continua com suas extravagâncias: exige que as câmeras de televisão sejam removidas do torneio. Ao não satisfazerem o seu pedido, ameaça voltar para a América. Na segunda partida, o árbitro bota o relógio para funcionar, mas Fischer não aparece. A Federação Soviética considera que seu campeão está sendo humilhado. Nesse momento, Spassky é pressionado a partir de Moscou para solicitar a suspensão do match. Os membros do Politburo sabiam que, se assim for, Spassky iria desfrutar do apoio da opinião pública internacional.

Mas Spassky se recusou a obedecer. Consciente de que podia perder, quis ganhar de Fischer no tabuleiro. No final Spassky perdeu o match por 12,5 pontos para 8,5, e Fischer acabou com 24 anos de hegemonia Soviética. Spassky caiu em desgraça na união Soviética, sendo acusado pelo Partido Comunista de desleal e de não ter se preparado a fundo. Spassky voltou jogar torneios de classificação para o título mundial, mas nunca voltou ou ser o mesmo, caindo em uma espécie de conformismo que havia desistido de lutar pelo título. Em 1984, emigrou da União Soviética e nacionalizou-se francês.

Expoente de um estilo universal: o seu jogo não era nem claramente combinativo nem claramente posicional. Graças aos treinadores tão diferentes que teve, era capaz se destacar em todas as facetas do jogo. Tinha uma visão muito ampla do xadrez, com um grande senso de adaptação. Sentia-se confortável em uma variedade de posições: era capaz de ganhar um jogo posicional de Petrosian e ganhar de Tal com um Gambito do Rei, (que surge com as jogadas 1.e4 e5, 2.f4 ), abertura arriscada e as vezes agressiva, muito raro em nível magistral, com a qual ele conseguiu muitos êxitos. Foi excelente no meio-jogo, empregava um jogo muito imaginativo, embora por sua vez com profundidade, que às vezes estourava em golpes táticos. De acordo com Kasparov, seu estilo era um progresso "abriu uma nova etapa para o xadrez profissional."


Além disso, a sua contribuição para a teoria de abertura é notório. Fez grandes contribuições ressuscitando a variante Marshall da Abertura Ruy López (1.e4 e5, 2.Cf3 Cc6, 3.Bb5 a6, 4.Ba4 Cf6, 5.0-0 Be7, 6.Te1 b5, 7.Bb3 0-0, 8.c3 d5), o desenvolvimento da variante Leningrado da Defesa Nimzoíndia (1.d4 Cf6, 2.c4 e6, 3.Cc3 Bb4, 4.Bg5), a variante fechada da Defesa Siciliana (1.e4 c5 2.Cc3). Algumas outras variantes levam seu nome, nomeadamente a variante Spassky da Defesa Indiana do Rei (1.Cf3 Cf6, 2.g3 b5).

Ele será lembrado por seu comportamento cortês e educado durante as partidas, o que fez dele um dos campeões mais populares no mundo na memória recente. Curiosamente, Spassky sempre disse que o xadrez não era sua vida. Na verdade, sabe-se que ele dedicou muito tempo ao atletismo, a natação, ao tênis, música clássica russa, literatura... Com isso você pode entender sua falta de ambição depois de perder para Fischer, especialmente depois de conquistar seu objetivo, que era ser campeão mundial.


Em 1992 jogou um match revanche amistoso com Fischer, que voltaria a ser derrotado. Em 2010 ele sofreu um ataque que o deixou paralisado do lado esquerdo do corpo. Depois de um longo período de reabilitação na França, regressou para a Rússia após 28 anos. É o campeão mundial mais velho na atualidade.

Anos 1980: ditadura da “dupla K”


Finalizamos esta breve revisão dos grandes jogadores de xadrez da União Soviética, passo a falar de uma dupla de jogadores dominou mundo do xadrez durante os anos 1980 e boa parte da década de 1990: os chamados "dois Ks, Gary Kasparov e Anatoly Karpov, que por muitos anos protagonizaram a maior e mais longa rivalidade na história do esporte (sim, você leu bem, a história do esporte, não só de xadrez). O seu confronto atingiu dimensões gigantescas, não só pelo fato de que no tabuleiro se enfrentavam duas concepções radicalmente diferentes de xadrez, mas também pelas conotações políticas que tem sua rivalidade, em um momento em que a União Soviética estava em caminho para a restauração do capitalismo: Karpov era o campeão do regime soviético, o campeão designado para propagar as vantagens do socialismo. Kasparov, no entanto, foi escolhida como símbolo das forças favoráveis a perestroika assim como pelas forças nacionalistas dos países transcaucasianos.

Anatoli Yevguénevich Karpov
  
Anatoli Yevguénevich Karpov nasceu em Zlatoust nos Urais, em 1951. Quatro vezes campeão mundial em 1975, 1978, 1981 e 1984, e tricampeão mundial pela FIDE após o cisma dos anos 1990, em 1993, 1996 e 1998. Três vezes campeão da URSS em 1976, 1983 e 1988. Uma marca excepcional. Sem qualquer dúvida poderia ter sido campeão do mundo por mais tempo, se não houvesse Kasparov cruzaram seu caminho.


Em meio ao frio clima dos Urais, desde pequeno, problemas pulmonares lhe causaram grandes dificuldades, sendo xadrez uma válvula de escape. Na idade de quatro anos aprendeu a jogar aos sete já ganhava do melhor jogador em sua cidade natal. Em 1966, com a idade de 15 anos, ela se tornou o mais jovem Mestre Nacional na história. Em 1970, adquiriu o título de Grande Mestre. Além de xadrez, ele desempenhou diferentes tarefas políticas. Muito comprometido com o Komsomol (era a organização juvenil do Partido Comunista da União Soviética), ele era um membro da Comissão de Assuntos Estrangeiros dos Soviet Supremo. Em 1982 ele foi eleito presidente da Fundação Soviética pela Paz, uma ONG soviética.

Karpov teve a honra de ser aquele que devolveu o orgulho nacional a URSS após a derrota para Fischer em 1972. Em 1975, foi o grande trunfo do Partido Comunista para disputar o título mundial contra o americano. No entanto, o match não se realizaria devido às extravagâncias de Fischer, que até então já estava bastante transtornado: o americano impôs a FIDE algumas condições impossíveis para a celebração do match: pretendia que para ser campeão do mundo Karpov tinha que vencer por dois pontos, algo inaceitável para FIDE. Fischer não se apresentou ao match. Ao contrário de Spassky, Karpov seguiu as diretrizes do Partido Comunista e foi declarado o novo campeão mundial. Muitos acreditam que Fischer impôs essas condições porque tinha medo de perder título mundial que havia sido sua obsessão durante toda vida.


Esta vitória foi simultaneamente amargo e doce para Karpov, que ficaria para o resto de sua carreira, com o desejo de provar que ele era o melhor, demonstrando com resultados. Isso se traduziria posteriormente com os mais de 160 vitórias em torneios que ganhou. Espetacular!! Em 1978 e 1981 rivalizou o seu título mundial contra o exilado dissidente da União Soviética, o feroz inimigo do regime soviético Victor Korchnoi, que competiu sem uma bandeira.

Gary Kimovich Kasparov

Gary Kimovich Kasparov nasceu em Baku, no Azerbaijão em 1963. Nascido como Gary Kimovich Veinshtéin de mãe armênia e pai russo-judeu. Quando seu pai morreu, tinha a idade de 7 anos, sua mãe decide colocar seu nome, Kasparian, russificando, passando o jovem para sobrenome Gary Kasparov. A partir desse momento, sua mãe terá uma só obsessão: convertê-lo em campeão de xadrez.

Campeão mundial quatro vezes, em 1985, 1986, 1987 e 1990, e duas vezes campeão pela organização que ele mesmo criou, a PCA em 1993 e 1995. Para alguns é o melhor jogador da história. Ganhou 9 vezes o torneio de Linares, na época o mais forte do mundo.

Aos 10 anos, ele se matriculou na Escola Botvinnik de Moscou. Com 12 anos, ele enfrenta o campeão mundial Karpov em uma partida de simultânea em que acabou perdendo, mas apresentando luta até o final. Em 1978, se qualifica para o campeonato da União Soviética, com a idade de 15 anos, o mais jovem a conseguir até então. Seu grande salto para a fama vem em 1979 no torneio de Banja Luka (Iugoslávia). Os organizadores do torneio ficaram chateados com os soviéticos por escalar um jogador tão jovem, mas Kasparov calou todos os críticos levando o primeiro prêmio com a idade de 16 anos e obtenção da norma Grande Mestre.


Em setembro de 1984, foi realizado o match onde disputou o cetro de campeão do mundo contra Karpov, após haver eliminação na fase preliminar Beljavski, Smyslov e Korchnoi. Se antes Karpov teve que enfrentar Korchnoi, o melhor jogador “não-soviético” da época, o encontro entre os dois 'Ks' voltou a confirmar a supremacia da União Soviética no esporte. No tabuleiro, eles demonstrar duas filosofias diferentes para entender xadrez.

Karpov, mais do que um jogador, é um computador. Quando ele joga, ele é mais frio que um iceberg, você nunca se sabe se está ganhando ou perdendo. Daí a ser conhecido como "o gélido Tolia". Seu estilo, é de uma precisão milimétrica, é muito posicional, sem risco de qualquer tipo, mas reage rapidamente a quaisquer erros de seu adversário. Ele é um especialista quando se trata de compreender a essência da posição, sabendo converter uma mínima vantagem em uma enorme vantagem, encurralar o seu oponente por um trabalho artesanal. Pode tirar água de uma pedra. Ele descreve o próprio Tolia com estas palavras instrutivas:


"Vamos dizer que o jogo pode evoluir de duas formas, uma das quais é uma bela implantação tático que resulta em variantes que não permitem um cálculo preciso; o outro é uma clara precisão posicional que leva a um final de partida com microscópicas chances de vitória... Eu escolho a última sem pensar duas vezes. Se meu oponente planeja um jogo agressivo, não me oponho; mas nesses casos eu obtenho uma menor satisfação, mesmo quando eu ganho, do que em uma partida conduzida de acordo com as regras da estratégia, com a sua lógica fria e cruel".

Kasparov, no entanto, é um jogador mais agressivo extremamente combinativo, que planeja um ataque turbilhão, tentando matar o inimigo arrematando as partidas com belas combinações. Segundo o jornalista Leontxo Garcia, "representa as forças da natureza inclinada para um tabuleiro", um ganhador nato luta pela vitória até o fim. Um jogador apaixonado, fisicamente e mentalmente muito forte, caracterizado por jogar com muito risco, mesmo em competições de alto nível. Mas o melhor é a sua grande técnica, e como Karpov, com facilidade de compreender as posições. Para isto deve ser adicionado o seu profundo conhecimento da teoria de aberturas, um maiores a este respeito. Para os mais curiosos podem estar interessados ​​em saber que existe uma variante do famoso Defesa Nimzoíndia que leva seu nome, que surge com os movimentos 1.d4 Cf6, 2.c4 e6, 3.Cc3 Bb4, 4.Cf3.

Para o match de 1984, a FIDE toma uma decisão questionável: lança um sistema de disputa sem precedentes, os empates não contam: ganhará o primeiro a obter seis vitórias, sem limite de partidas. Kasparov, que só tem 21 anos, começa forma muito impetuosa, independentemente dos pontos fortes do seu adversário, e leva uma grave bronca. Nas nove partidas, Karpov já vencia por 4 a 0. Na partida 27 Kasparov já perdia por 5-0, e na 31ª partida está prestes a ser aniquilado, mas consegue defender de forma brilhante um jogo completamente perdido, terminando em um empate. História do xadrez e, possivelmente, a carreira de Kasparov, teria sido totalmente diferente se Karpov tivesse arrematado essa partida.

A partir dali Kasparov tem uma mudança. O lendário treinador Yuri Averbakh, que era o árbitro nessa competição, descreve com estas palavras: "Vi como Kasparov mudou durante o primeiro match. No começo era um jovem garoto. No fim do mesmo ele tinha se tornar um homem adulto, um lutador forte. Karpov não percebeu essa mudança". Na partida 32 Kasparov vence e obtém sua primeira vitória.

O match se prolonga até Abril de 1985. Kasparov chega as 3 vitórias, e o campeão Karpov começa a mostrar sinais de esgotamento físico e psicológico. Ele não estava em boa forma. Kasparov, no entanto, deu muita importância à preparação física: praticado regularmente esportes: atletismo, natação, futebol, hóquei no gelo... Certamente Mikhail Botvinnik continuava sendo treinador de Kasparov. Quando esse perdia por 4-0, ele disse: "joga como se você tivesse ganhando, não tenha medo de fazer empate. Ele tem menos resistência física que você, e se cansará antes".

Um dia antes de completar os seis meses do campeonato, o presidente da FIDE, Florêncio Campomanes, por medo de o match terminar em um teste de resistência física, decidiu suspender o match, declarando sem vencedor. Assim, Karpov [que vencia por 5-3] manteve o título mundial. A notícia foi um escândalo mundial, que acabou extrapolando o plano político. Após a decisão da FIDE, ambos os jogadores se acusaram mutuamente de querer suspender o match. Kasparov acusou Karpov de receber apoio de Politburo enquanto Karpov acusou Kasparov de ter o apoio na KGB de Heydar Aliyev, que havia intercedido por seu compatriota. A tensão, como você pode imaginar, era grande na época do acontecido.

O match pelo título mundial voltaria a ser realizado em setembro do mesmo ano no Teatro Tchaikovsky de Moscou. A expectativa mundial tinha aumentado. O sistema de competição foi novamente o habitual: ganha o melhor de 24 partidas. Até então o jogo Kasparov tinha amadurecido muito. Ele aprendeu a usar contra Karpov os mesmos truques que ele tinha usado contra ele, fazendo um jogo mais lento e meditado. Kasparov chega confessar: "Eu tinha o melhor professor que poderia ter desejado".

[Em 1985] Ante de uma platéia lotada de Azerbaijanos, armênios e judeus, Kasparov tomou o título mundial com a idade de 22, superando o recorde de Tal.

A “dupla K” voltaria novamente para jogar o campeonato mundial em três ocasiões em 1986, 1987 e em 1990 Kasparov volta a ganhar. No ano de 1987 em Sevilha na Espanha ocorre um empate no match. Em 1993, após a ruptura dos candidatos pelo título mundial Kasparov e Nigel Short. A FIDE organiza um match com os dois semifinalistas Karpov e o holandês Jan Timman. Assim Karpov se tornou novamente [após vencer Timman] campeão mundial oficial.

No entanto, em cinco campeonatos do mundo Kasparov esteve à frente de Karpov em três deles, suas vitórias foram sempre extremamente difíceis. Em 144 partidas do campeonato mundial, o balanço de vitórias de Kasparov só é de duas partidas. A diferença é ínfima. Karpov voltou a demonstrar sua força em 1994, no torneio de Linares uma das melhores performances na história, arrasando com todos os adversários e ficando em primeiro lugar com 2,5 pontos à frente do favorito, Kasparov.


Após ser proclamado vencedor no mesmo torneio em 2005, Kasparov anunciou a sua aposentadoria do xadrez profissional para dedicar-se inteiramente à política. Karpov segue competindo, embora suas aparições tornaram-se mais raras. Atualmente está classificado como o nº 191 no ranking mundial da FIDE.

Embora sua atividade política seja mais moderada do que a de Kasparov, é um membro da Câmara dos Comuns da Rússia como um representante das associações, presidente da Comissão para as vítimas de Chernobyl, e mantém seu cargo de presidente da antiga Fundação Soviética para a Paz, embora na sua versão homóloga da Federação Russa, do Fundo Internacional para a Paz. Em 2010, ele apresentou sua candidatura a presidência da FIDE, com apoio de Kasparov. Ainda segue exercendo a função de professor de economia na Universidade de Moscou.

Um legado que sobrevive

Em 1991, o socialismo sofreu uma derrota temporária com a dramática desintegração da União Soviética, que vai colocar um ponto final no longo processo de degeneração revisionista Partido Comunista. Contudo, a influência de xadrez Soviética permanece 21 anos depois, tanto em termos de competições de nível escolar como de alto nível. Escolas de Moscou e São Petersburgo na Rússia, as de Kiev, Odessa e Lvov, na Ucrânia permanecer entre as líderes mundiais, mas as escolas de países anteriormente pertencentes à União Soviética, nomeadamente a Armênia, a Geórgia e o Azerbaijão, competindo com sucesso com as russas e ucranianas. Hoje, é impossível falar sobre a história do xadrez sem mencionar os grandes mestres da era soviética, e quanto ao enriquecimento da teoria do xadrez e é patrimônio de todas as academias e escolas de todo o mundo.

Essas conquistas imensas da União Soviética na área de xadrez, enquanto muitas outras realizações nas áreas científicas, culturais e do bem-estar da população, são inseparáveis ​​do socialismo como formação social e econômica superior ao sistema capitalista. Há uma ligação estreita entre socialismo e o xadrez, tanto por seus benefícios na educação das crianças, desenvolvendo neles valores éticos, como sendo um esporte que estimula à mente, além de desenvolver a capacidade de análise, de reflexão, a capacidade de tomada de decisões, criatividade e espírito crítico. O xadrez estava intimamente ligada à construção do socialismo na União Soviética, e vai ocupar uma posição privilegiada na formação intelectual da classe operária quando o socialismo se espalhou pelo mundo.

Devido à influência soviética, a popularidade do xadrez conheceu ou um boom crescente em outros países da comunidade socialista e em países que pelo menos foram socialistas um dia. Assunto que não se pretende abordar neste artigo, mas podemos oferecer algumas pinceladas.

O xadrez soviético hoje ainda deixa uma marca durável em competições de alto nível. E quando falamos da União Soviética, nos referimos a todas as nações que a compuseram. Após os jogos que caracterizam a “dupla k”, todas as edições do Campeonato do Mundo situadas entre 1993 e 2005, quer FIDE ou da PCA [organização criada por Kasparov], foram proclamados vencedores jogadores nascidos nos países socialistas (exceto a vitória do Hindu Viswanathan Anand em 2000 contra o espanhol-letão Alexei Shirov) Note, por exemplo, o russo Vladimir Kramnik, o búlgaro Veselin Topalov ou uzbeque Rustam Kazimdshánov. Se tomarmos os 20 melhores jogadores de acordo com o ranking mundial da FIDE, vemos que 14 deles são de países como a Rússia, Ucrânia, Armênia, Azerbaijão e China (além do finalista do campeonato de 2012, Bielorrusso de nascimento o israelense Boris Gelfand).

A China, de fato, emergiu como uma potência mundial graças ao impulso de treinadores ex-soviéticos. Isto pode ser visto especialmente no xadrez feminino, onde a China é uma superpotência, um fato refletido nas vitórias nos campeonatos mundial por Xie Jun de 1991 e 1996 e Zhu Chen de 2001 e 2004, e o mais recentes em 2010 e 2012 pela muito jovem Hou Yifan, apenas 18 anos, mulher mais jovem a ganhar o título de Grande Mestre com a idade de 14 anos. A húngara Susan Pulgar, a búlgara Antoaneta Stefanova e a russa Alexandra Kosteniuk completar a lista do campeonato mundial feminino.

Seguindo xadrez feminino, vale a pena mencionar a nº 1 do mundo, Judit Pulgar irmã de Susan, a melhor jogadora mulher de todos os tempos, única jogadora de xadrez feminino que chegou a estar entre os 10 melhores do ranking mundial FIDE, sucedendo em 1996. Não possui o título de campeã mundial feminino, porque, devido à educação não-sexista que recebeu do seu pai, estava sempre envolvida exclusivamente em torneios mistos. Atualmente ela ocupa a classificação 45º no ranking mundial FIDE (misto).

E quanto à outra grande competição organizada pela FIDE, as Olimpíadas de xadrez notamos que todas as edições a partir de 1991 foram se proclamaram vencedores Rússia, Ucrânia e Armênia. Particularmente relevante foram na última edição de 2012, em Istambul, Turquia, o quarto lugar e sétimo obtido por China e Vietnã, respectivamente, e o 11º lugar conquistado por Cuba, à frente de países como a Alemanha, Itália e Inglaterra.


Fonte: http://amistadhispanosovietica.blogspot.com.br/2012/11/el-ajedrez-en-la-union-sovietica.html