quarta-feira, 14 de junho de 2017

Dr. Luiz Tavares e Mequinho

Entrevista com Dr. Luiz Tavares!
Julho, 14, do ano de 1976
Publicado no blog "Reino de Caíssa" em junho de 2017

Dr; Luiz Tavares (E) e Mequinho (D)


Mequinho perdeu quatro quilos durante o Torneio Interzonal de Manila - Filipinas, em 1976. que conseguiu vencer. Chegou a ser ameaçado, inclusive de agressão física pelo norte-americano Walter Browne, sobre quem teve sua melhor vitória no torneio. Em certo momento das disputas houve falta de luz no salão dos jogos e o americano voltou a dar trabalho ao árbitro Florêncio Campomanes.

Tudo isso foi contado no Hotel Tambaú pelo ex-presidente da Confederação Brasileira de Xadrez, o médico pernambucano Luiz Tavares da Silva, ao enxadrista Herbert Carvalho, um dos fortes participantes do 43º Campeonato Brasileiro de Xadrez e enviado especial da Folha de São Paulo.

Esta entrevista teve direito de publicação concedidos a Fernando Melo (colunista de A União) e o jornal passa a divulgá-la em sua quase totalidade. 

FILIPINAS : Um torneio de muita garra
Henrique da Costa Mecking
"Mequinho"

Pernambucano de Recife e médico de profissão, Luis Tavares da Silva é um doa admiradores de Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, cuja fama no mundo internacional do xadrez ele ajudou a criar, Neste momento ele está no Hotel Tambaú assistindo ao Campeonato Brasileiro de Xadrez e descansando da longa viagem de 35 horas de regresso de Manilla onde esteve até o final de Torneio Interzonal.

O dr. Tavares, que já foi campeão brasileiro e presidente da Confederação Brasileira de Xadrez, acompanhou o desenvolvimento da carreira do único Grande Mestre brasileiro desde o seu despontar, em 1965, quando ainda um garoto de apenas 13 anos, bastante magro e tão pequeno que quase não podia alcançar o tabuleiro, venceu o campeão nacional daquele ano.

A partir daí, Tavares teve a certeza de que aquele garoto tímido, vindo do interior do Rio Grande do Sul, chegaria a ser campeão mundial de xadrez. Foi então que, juntamente com um grupo de enxadristas da época, passou a atuar para propiciar ao futuro Grande Mestre as oportunidades necessárias ao desenvolvimento de todo aquele talento em potencial. 

Desde o princípio sempre acompanhou Mequinho em todos os Torneios Internacionais de importância, como ele mesmo conta: "A primeira vez foi na Tunísia, em Sousse, onde em 1967 ele jogou o primeiro Interzonal. Depois fomos por duas vezes a Hastings, depois em Lugano e em Augusta e 1974 quando ele foi derrotado por Korchnoi. Agora houve esta viagem a Manilla."

Tavares diz que sua admiração por Mequinho surgiu ao observar seu extraordinário talento, principalmente nas partidas rápidas, notando em seguida seu senso posicional e comportamento com relação ao xadrez e, enfim, sua dedicação e autocontrole na perseguição dos objetivos.


Dr. Luiz Tavares, o anjo da guarda de Mequinho
"Acho que nenhum outro jogador, com a possível exceção de Bobby Fischer, se impõe uma disciplina tão férrea como Mecking", assegura Tavares, ao explicar a disciplina de Mequinho como um dos fatores mais importantes de sua vitória em Manilla. 

"Enquanto outros jogadores, como Mariotti ou Gheorghiu e até mesmo os soviéticos, eram displicentes e dispersivos, Mequinho empenhava todas as suas energias nas partidas, com várias horas de preparação diária dos lances de abertura jogados por seus adversários" - relatou.

Em seguida Tavares descreve a rotina de Mequinho em Manilla:
- Logo pela manhã, após o café, ele pegava o boletim com as partidas da rodada anterior e estudava atentamente todos os jogos. Depois reproduzia, de acordo com os livros, todas as partidas jogadas por seus adversários nos últimos 10 anos. Pontualmente, as 11 horas, almoçava seguindo dieta especial que quase sempre consistia em bife com arroz, completamente diferente da alimentação dos demais jogadores que se deliciavam com as comidas típicas das cozinha filipina, notadamente frutos do mar.

Durante todo o Torneio -  informa Tavares - Mequinho perdeu cerca de quatro quilos.Após o almoço ele dava uma caminhada de uma hora, sempre sozinho, pelos parques e jardins ao redor do Hotel. Enquanto Spassky (que jogava tênis) e os demais jogadores se divertiam o dia de Mequinho não reservava qualquer momento para o seu lazer pessoal. Ainda pela manhã, fazia por cerca de uma hora, ginástica pesada, para depois estudar as análises que seu segundo, o carioca Márcio Miranda preparava. Seu único momento de descontração era à noite. Depois do jogo, durante o jantar, ele estava sempre alegre, conversando bastante, mas nunca sobre a partida que acabara de jogar ou sobre xadrez, de maneira geral.

Mequuinho em 1976

interessantes da preparação de Mequinho foram contados por Tavares:

Mequinho foi o primeiro jogador a chegar a Manilla, com bastante antecedência ao  início do Torneio e a primeira coisa que fez foi vedar totalmente a janela de seu quarto com um papel preto, usado nos laboratórios fotográficos, para que não entrasse qualquer réstia de luz que lhe perturbasse o sono. Seu quarto era tão protegido contra luz e ruídos, que tive receio de que isto pudesse lhe abalar a saúde. 

Tavares revelou ainda que, na solenidade de abertura para o emparceiramento, quando é praxe cada jogador indicar uma pessoa para o Tribunal de Apelação do Torneio, a pessoa indicada por Spassky foi vetada pelos próprios dirigentes da Federação Soviética. "Outra coisa que pouca gente sabe no Ocidente é de um dos grandes participantes, Yuri Balashov, é o primeiro Grande Mestre formado pela Faculdade de Xadrez que existe em Moscou", informou Tavares.

E relatou ainda: "Normalmente, em um torneio de xadrez o ambiente entre os jogadores é e grande cordialidade, já que se trata de um esporte de intelectuais. Mas, infelizmente, nem tudo foi assim em Manilla. Na partida que Mequinho jogou contra o norte-americano Walter Browne, considerada sua melhor vitória no torneio, houve muita guerra de nervo por parte do americano, o que provocou inclusive um protesto oficial de Mequinho ao árbitro Florêncio Campomanes que, com muita habilidade conseguiu contornar o problema".

"O que aconteceu" - explica - "é que dias antes , Mequinho adiara por motivo de doença, sua partida com o romeno Gheorgiu, e Browne, suspeitando da veracidade de enfermidade do brasileiro, chegou a ameaçá-lo de agressão física, caso isso viesse a prejudicá-lo no Torneio. Entretanto, esse incidente, que deve ter ocorrido devido em temperamento muito nervoso de Browne (que já teve problemas desta natureza, neste e noutros torneios anteriores) foi completamente dominado por Campomanes, que fez com que os dois se dessem as mãos e esquecessem as mágoas. Dias depois, conversavam animadamente sobre variantes, no ônibus que conduzia os jogadores do Hotel ao salão de jogos".


Falando sobre as características técnicas da atuação de Mequinho, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Xadrez ressaltou a habilidade com que ele se conduziu no apuro de tempo "como excelente jogador rápido que é e sempre foi, principalmente nas partidas com Browne e Panno, quando jogou cerca de 20 lances em um minuto e pouco".

Disse ainda que com relação ao sorteio inicial dos participantes, Mequinho não ficou satisfeito pois havia sido emparceirado com as peças brancas contra os jogadores mais fortes e com as pretas contra os mais fracos, "o que, na sua opinião, lhe era desfavorável, pois preferia jogar de brancas com os fracos, quando ganharia com certeza e de pretas com os mais fortes, pois assim não perderia".


Florêncio Campomanes que foi eleito mais tarde preesidentee da FIDE
Revela o médico Luiz Tavares que o árbitro Campomanes teve outra situação difícil. novamente contra o americano Browne. 

De repente, como acontece na minha terra, o Recife, a luz apagou-se exatamente no momento em que a partida entre Browne e Polugayevski chevava ao momento decisivo. Em outras partidas as setas dos relógios também estavam suspensas. Aí então, foi ligado o gerador de emergência que não foi considerado por Browne satisfatório o suficiente para continuar o jogo. Então, começou a gritar, protestanto; Campomanes tentou acalmá-lo, já que nada mais podia fazer, pois este detalhe não estava previsto pelo regulamento. Nada adiantou, até que ele teve de gritar para o norte-americano se sentar e continuar jogando, ao que finalmente foi obedecido.

Tavares conta que a figura do árbitro Campomanes muito o impressionou e que este, inclusive, está muito cotado atualmente para substituir o holandês Max Euwe na Presidência da Federação Internacional de Xadrez.


Mequinho em 2016

2 comentários:

  1. Obrigado Cleando Cortez. Uma entrevista marcante para a historia do xadrez brasileiro. Abs.

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  2. Sem dúvida é uma história rica em detalhes e de bons momentos para serem lembrados.

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